A BRUXA DE BLAIR (1999): Sobre Finitos e Infinitos

Qualquer found footage tem uma certa metalinguagem, característica, também, presente no filme responsável por concretizar e popularizar o subgênero no cinema e na indústria. Contudo, a dupla de diretores, Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, a coloca como pano de fundo ao buscar, entre folhas e galhos, temas muito maiores, como a insignificância humana perante forças e ameaças desconhecidas; entretanto, reduzi-lo à um mero terror cósmico seria não enxergar a grandiosidade de seu potencial fílmico.

A Bruxa de Blair retrata até de forma filosófica uma compreensão sobre a finitude da humanidade e a infinitude do incompreensível, da imagem ilusória e do plano por meio do embate entre quão real uma gravação pode ser e quão frágil o homem é ao ser confrontado por si mesmo e pela materialização do medo, tendo como “arena” a floresta, que, definida como pequena e limitada por Heather, é, na verdade, infinita no retrato cinematográfico, pois sua vastidão cerca e, por mais paradoxo que seja, sufoca os personagens, perdendo-se rapidamente e entrando no cíclico jogo místico da mata. Ora, o infinito é um constante movimento de matéria que se repete sucessivamente, tal qual os ataques da entidade nos habitantes da cidade e, agora, nos três amigos.

O elemento representativo do sobrenatural, ou seja, a bruxa, responsável por tais ataques, nunca é personificado, apenas descrito e materializado em gravetos e pedras ou instigado na imaginação pela ausência da imagem clara de suas ações (o ataque à cabana, a queda da câmera nos últimos segundos). Antes representada somente na oralidade e na literatura obscura, ao buscarem realizar um documentário explanando-a de modo cru e explícito, os estudantes de cinema acabam desafiando a ordem vigente, impulsionando a sucessão narrativa de mini catástrofes até seu ápice na cena final, estabelecendo a dualidade da atemporalidade entre místico e imagem.


As entrevistas com os moradores de Burkittsville evidenciam tanto a ciclagem do infinito e a temporalidade do homem, como prenunciam o desfecho dos amigos. As acusações e descrições dos assassinatos cometidos pelo senhor Parr (as crianças eram postas olhando para a parede enquanto esperavam ele matar as demais) são, junto com outros depoimentos, como a reafirmação da lenda ao confrontar diretamente as pessoas: a criança chora e tenta impedir a mãe de dar detalhes; o homem pescando verbaliza não acreditar, mas não transforma sua descrença em ação; Mary Brown é taxada de louca, mas nunca de mentirosa, já que ninguém adentra a floresta, muito menos vai à dita casa da bruxa. Posteriormente, os elementos da história dos assassinatos das sete crianças e de outros casos menos impactantes são incorporados na perseguição do trio: as sete pedras, as vozes infantis, o desaparecimento de Josh, o porão da casa na colina, Mike olhando para a parede no plano final quando Heather é derrubada. Ou seja, o crime em 1940 encerrou a vida das crianças e do condenado senhor Parr, lembrado apenas pelos mais velhos, demarcação da finitude humana, enquanto o mesmo acontecimento, incorporado na lenda da bruxa, torna-se eterno, infinito, e reverbera em medo nos cidadãos e em novas tragédias na floresta. Assim, a bruxa, e tudo o que representa, é afirmada em sua contínua essência, todavia, a imagem possui certos aspectos mais profundos e bifurcados.

O longa se divide entre vídeo (o relato) e película preto e branco (a princípio, o documentário estudantil), unindo a dicotomia tecnicista do analógico e digital no cinema, visto que ambas imagens perduram, são os únicos resquícios dos acontecimentos que existem, são as únicas coisas que não ficaram definitivamente desaparecidas por não se prenderem ao espaço-tempo. Heather é questionada sobre o porquê continuar filmando mesmo na situação em que se encontravam e diz que “é a única coisa que me resta”. Nesse momento, ela reconhece a sua efemeridade e a resistência do plano cinematográfico em meio a catástrofes. E não só ela, a partir desse ponto Josh e Mike acabam tomando a câmera digital para si em momentos pontuais, sendo o ápice os últimos minutos do filme, quando não há mais distinção entre câmera-relato e câmera-documental, ambas só buscam eternizar o presente numa espécie de transe, visto que é clara a eminente derrocada da dupla, e mesmo assim continuam transpondo seu olhar (pela câmera) ao eterno.

Nos últimos minutos, Heather e Mike estão na casa mal assombrada, descrita nos depoimentos, em busca no amigo desaparecido, mas acima de tudo, eles estão registrando os acontecimentos com seus dispositivos, transformando a realidade em algo infinito, afinal, o cinema não morre, é eterno, remodela a realidade a seu bel prazer, levantando, assim, questionamentos da veracidade da imagem: ela reenquadra o mundo ou o distorce? Qual presente torna-se infinito? Poucas respostas são dadas, talvez nenhuma realmente, pois o filme está mais interessado em propor as perguntas do que propriamente respondê-las, mas pontua sua visão quando Josh diz, em uma das cenas de confronto entre o trio, que a imagem na câmera “não é exatamente a realidade, é tipo uma realidade filtrada”.

Lançado, não por acaso, em 1999, o filme conversa com toda a efervescência do emitente “bug do milênio”. Humanidade e seu futuro são colocados em xeque frente a efemeridade da vida e a dependência extrema a meios terceiros para a sobrevivência, mostrado, no terror, num mapa, um simples pedaço de papel que determina os futuros passos do grupo e, quando perdido, sua consequente aniquilação.

De um discurso claramente pessimista em âmbitos humanitários, e otimista em artísticos e espirituais, A Bruxa de Blair tem como prioridade não o medo ou susto pela imagem, mas sim a construção do horror no imaginário, transcendendo os 81 minutos de sua duração, concretizando aquilo que prega: relato imagético eterno.

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