O que os créditos podem nos dizer sobre o filme?

Em primeiro lugar acho importante começar o texto esclarecendo algo: é obvio que objetivamente os créditos dizem muito sobre os filmes em que eles estão, tendo em vista que são por eles que sabemos as equipes (criativas e de produção) que estão fazendo com que a obra aconteça, porém não é isso que me interessa para esse texto, aqui eu pretendo usar a “analise” da estética e da forma dos créditos iniciais de alguns filmes como um dos pontos catalisadores para a discussão acerca das obras.

Esses filmes em questão são: Halloween (1978, John Carpenter), Pague para Entrar, Reze para Sair (1981, Tobe Hooper) e Halloween III – A noite das bruxas (1982, Tomy Lee Wallace), filmes contemporâneos entre si e que agregam bastantes semelhanças e diferenças em suas narrativas.

Neste mês do horror do Mesa Em Cena, nós já falamos sobre o clássico Halloween, de 1978, o filme que inaugurou o subgênero do slasher e que, graças à objetividade e simplicidade da construção do seu terror e a todo um clima de tradicionalismo e conservadorismo aliados ao foco na ação mais direta, conseguiu criar uma experiência verdadeiramente angustiante e assustadora. É interessante ver então como muito desses elementos que eternizaram a obra já estavam contidos nos seus créditos iniciais, que é formado um plano muito simples: apenas uma abóbora de halloween, a tradição familiar do feriado americano (mais tarde, no filme, nós temos outro flerte com essa mesma ideia: a babá pura e virginal que cuida do lar e tem como tradição montar a lanterna de abóbora com as crianças), que se mantém do lado esquerdo da tela enquanto os créditos passam do lado oposto. A câmera é estática no seu eixo e apenas faz um movimento de zoom-in, a trilha é o clássico toque de sintetizador que precede a presença do assassino durante o resto do filme, a imagem continua se fechando na lanterna até que podemos ver as formas simplificadas de uma cabeça e uma faca.

Olhem então todos elementos que podemos retirar dessas simples sequência: 1) O afunilamento da visão que te obriga olhar para um ponto específico (se pensarmos na cena que se passa diretamente após os créditos, também podemos ver isso, a lente subjetiva do olhar de Michael com a máscara que tira todos elementos da sua visão periférica, as ações do pequeno assassino são passadas para nós por meio de uma câmera que nos “obriga” a ver o mundo por seus olhos, não apenas de maneira objetiva - a noção entre o espaço e o posicionamento do personagem, a visão propriamente dita -, mas também de maneira subjetiva, uma “visão de mundo” do personagem, e a forma como os acontecimentos progridem, a encenação, a trilha, todos esses elementos convergem para que possamos “entender” - sem que seja necessária uma explicação expositiva - o acontecimento); 2) A já citada tradição familiar, o conservadorismo; 3) A simplicidade na construção da cena, uma abordagem muito direta na composição dos planos; 4) A objetividade da “ação”; 5) A trilha sonora como um forte elemento expressivo que de certa maneira se destoa e consequentemente se destaca entre os elementos.

Pague para Entrar, Reze para Sair (ou apenas The Funhouse) é uma obra que também já foi comentada nesse mês do horror, na pequena indicação para o Instagram eu falo que o filme é autoconsciente do terror, uma autoconsciência que não necessariamente “termina” na obra (um trabalho fechado em si e na sua própria relação com o gênero), mas sim uma autoconsciência de suas referências, tanto as mais diretas (a primeira cena, um cruzamento entre a já citada cena inicial de Halloween com a cena do esfaqueamento no banho de Psicose, que disto tira uma certa paródia, ou o personagem do irmão mais novo que é um aficionado por obras de terror, com seu quarto cheio pôsteres de filmes de monstros, insetos de brinquedo e facas de borracha), como as referências mais indiretas ao terror, referências não a outras obras, mas sim à convenções, arquétipos, signos e clichés (o grupo de jovens irresponsáveis, a final girl, o monstro, o parque de diversões, as figuras aleatórias que aparecem e desaparecem da trama a todo tempo, etc..) são referências mais a própria construção do gênero de horror do que a outras obras em específico, e são essas referências que dão movimento a trama, pois os personagens são fascinados por esse universo (consciente e inconscientemente), eles se colocam ativamente nas posições de risco muitas vezes e em outras expressam uma reatividade muito clara da consciência dos seus “papéis”, o diretor então cria esse terreno e começa a se divertir junto com os jovens no parque de diversão, criando várias situações que se fecham em si mesmas e não necessariamente contribuem para um avanço objetivo da narrativa, brincando com “pistas falsas” que demonstram esse controle cênico e referencial. A obra adquire um ritmo muito próprio, típico de quem procura diversão em diversas atrações de um parque (o objetivo é aproveitar ao máximo o que espaço proporciona da forma mais rápida o possível e não necessariamente se preocupar em traçar uma história linear e coesa).

É importante também falar que o filme pode até “nascer” de suas referências, mas não “morre” nelas, e sim as utiliza como catalisadoras de uma articulação própria com a linguagem. Nós podemos observar que a progressão dos eventos da trama nos demonstram um conhecimento profundo acerca dos seus temas, ela parte de uma aglutinação dessas referências, mas que a partir de um certo ponto (muito bem demarcado na obra, aliás) começa a ser “lapidada”, uma mudança que é muito abrupta (mas não desesperada), pois insere um elemento referencial de extrema força (o monstro) que começa a carregar a “potência” do filme de forma muito pungente, já que as referências passam a orbitar em torno dele e de seu núcleo, o alimentando enquanto cada vez mais ele passa a reduzir esse jogo, essa correnteza apenas ao essencial do horror, partindo então para um comentário sobre o próprio gênero, desnudando as referências para expor seus mecanismos e artimanhas, assim demonstrando, e apresentando, a gênese do medo.



Os créditos iniciais de Pague para Entrar, Reze para Sair conseguem muito bem mostrar essa preocupação com o essencial a partir do trato com a referência, pequenos vídeos de bonecos eletrônicos de uma atração de terror do parque (The Funhouse, a montanha-russa mal-assombrada) vão aparecendo junto com os nomes e funções das equipes de produção do filme, enquanto ao fundo se ouve uma trilha que mistura elementos de terror com elementos circenses. Disso, podemos tirar uma certa irreverência do filme, que aproveita essa justaposição entre os bonecos e os nomes para fazer algumas piadas com os artistas envolvidos na obra e a paixão pela referência, que é mostrada pelos diversos bonecos que aparecem na tela, fazem suas ações pré-programadas e saem, o que remonta a uma lógica bem parecida com o método de apresentação dos personagens e situações do filme que foi discutido acima, essa enxurrada de imagens que vão aparecendo criam essa noção de um mistério que vai sendo construído aos poucos, mas que aproveita cada pequeno pedaço dessa construção para poder gerar algo, para poder se divertir em cima disso, não são espaços em branco que apenas existem para construir o terreno para algo que está por vir, mas são peças que funcionam isoladamente dentro desse “esquema” de diversão proposto.

Já em Halloween 3, que também é um filme com foco no mistério, mas que diferentemente de The Funhouse, busca uma progressão narrativa mais “formal” e que diverge da simplicidade do terror slasher do primeiro filme de sua franquia (Halloween, 1978) já que parte para uma história muito mais “aberta” à diferentes arcos, tramas e subtramas, maior número de personagens e uma megalomania nos planos vilanescos (enquanto o primeiro filme apresentava um assassino que ameaçava um pequeno grupo de jovens, aqui nós temos uma dupla que investiga uma cidade que funciona como base para uma conspiração de níveis mundiais). O mistério nesse filme se assemelha muito com o que é feito em filmes neo noir, por exemplo, diversamente do tipo de suspense trabalhado nas outras obras citadas, a construção da investigação com vários pequenos pontos a serem explorados por vez difere da objetividade de Halloween ao mesmo tempo que diverge da ideia de um jogo de elementos misteriosos que vão surgindo na tela de maneira muito clara como em The Funhouse. Os elementos aqui quase sempre estão escondidos, precisam ser procurados, aparecem aos poucos, uma outra lógica de criação do universo misterioso, que busca um certo “embaralhamento” e confusão dos elementos para gerar uma desorientação espacial e sensorial dos seus planos.

Em seus créditos as informações são escritas enquanto um monitor CRT (Tubo) forma algumas imagens ao fundo, por meio de linhas que vão se formando e se apagando enquanto um toque eletrônico se repete, a música que acompanha a cena tem um forte caráter imersivo. Esses pequenos fragmentos que compõe uma imagem principal continuam se montando, até que podemos ver que uma imagem completa foi formada na tela do monitor, uma abóbora de halloween. O monitor começa a piscar e os créditos acabam. O que podemos tirar de principal dessa sequência é o já dito apego pelo mistério do filme, o foco que intuitivamente temos é o de entender o que estas imagens estão formando, o clima gerado com a trilha imersiva e misteriosa, os sons eletrônicos, as imagens aparentemente desconexas é completamente propenso a isso, e a forma com que esse clima vai sendo conduzido se assemelha muito com a estrutura do resto do longa: o foco em um elemento que é multifacetado em prol do suspense, a desorientação espacial por meio dos diversos fragmentos de imagem que não são postos em uma forma de apresentação que busca um entendimento claro do todo que eles formam, a desorientação sensorial por meio da confusão entre uma trilha com um som bem limpo e arredondado, e os sons dos toques eletrônicos ora agudos e estridentes, ora graves e abafados e que muitas vezes aparecem “fora de tempo” da melodia principal, as diversas interferências que a imagem sofre e o flash de luz branca que pisca no final. Mas além desses exemplos que se inserem dentro de uma lógica mais geral da própria obra, nós também podemos observar uma referência direta a elementos mais específicos e objetivos do filme, como a relação entre tradição e tecnologia, manipulação da mídia e a feitiçaria e também um movimento de reconfiguração do espaço constante (a cidade falsa, principal ambiente onde filme se passa, que constantemente reconfigura seus espaços de acordo com os acontecimentos que nela ocorrem, e “atualiza” suas formas de controle e vigilância também de acordo com a progressão desses acontecimentos, esses momentos de “reconfiguração” da imagem então são absorvidos para a estrutura textual e formal da obra fazendo com a construção do suspense esteja sempre sendo incrementada por “twists” e jogos cênicos muito bem executados).

O que eu acho mais interessante dessa relação entre os elementos dos créditos e os elementos do “filme propriamente dito” (a progressão dos acontecimentos roteirizados) é que muitas vezes podemos ver como a construção da obra é coesa, como um autor preocupado está sempre comunicando algo e preenchendo os espaços “vazios” com a sua visão, fazendo com que, assim, cada pequena parte de suas obras articule a linguagem de uma maneira muito única, permitindo que pensamentos inteiros sobre as obras possam ser construídos em cima desses pequenos elementos.

No mais, ficam as indicações de 3 grandiosos filmes dessa época tão prolifica do cinema de terror.

Comentários